Existe até voluntário para ensinar a enfrentar o trânsito no pedal
Uma das invenções humanas mais difundidas do mundo, a bicicleta já foi exclusividade dos mais abastados dos séculos 18 e 19. Depois da Segunda Guerra Mundial, foi estigmatizada como símbolo do proletariado. No Brasil dos anos 1960, época em que a indústria automobilística produzia de vento em popa, a magrela perdeu o posto de musa. Inevitavelmente, a nova capital de JK, construída no coração do país, corroborou com a ideologia: cidade desenvolvida é sinônimo de cidade ocupada por carros. O que não se cogitava era que, décadas mais tarde, grandes cidades tivessem que pisar no freio e devolver à bicicleta um lugar de destaque como resposta à mobilidade urbana e ao meio ambiente. Brasília também acordou para essa realidade e começa a dar importância a esse meio de transporte, que, na década de 1980, ganhou o apelido de “camelo”. Hoje, a cidade pede: pedalar é preciso.
Nesse grupo, juntam-se homens e mulheres que, a princípio, pedalavam por lazer ou como atividade física. Agora, o objetivo é outro: ir ao trabalho, pagar uma conta no banco ou, simplesmente, fazer as compras na padaria. Caso da moradora do Sudoeste Marília Honório, 25 anos, que, recentemente, decidiu parar de reclamar do trânsito e fazer algo a respeito. Na semana passada, ela colocou a bike na rua para ir ao escritório onde trabalha, no Setor de Indústrias e Abastecimento (SIA). Ironicamente, no mesmo lugar onde uma frota de automóveis é vendida todos os dias, Marília estaciona, satisfeita, seu novo meio de transporte. Para isso, ela pediu auxílio de Phillip James Fiuza Lima, 36 anos, voluntário Bike Anjo.
“Sou daquela linha bem brasiliense: cabeça, corpo e carro, mas passado um tempo, quis fazer diferente. A gente reclama muito de que as coisas não funcionam e não se mexe para mudar. Depois de ler bastante a respeito e conhecer gente que resolve a vida de bicicleta, vi que é possível fazer o mesmo”, conta Marília. Com ajuda de Phillip que, além de Bike Anjo, também é vice-presidente da ONG Rodas da Paz, a jovem aprende a “dirigir” a bicicleta pela cidade. “Nosso trabalho é mostrar ao ciclista como sinalizar, que caminhos mais tranquilos ele pode fazer para chegar ao trabalho, por exemplo, não só pela quantidade de carros nas vias, mas também pela condição do asfalto, buracos etc. Estar alerta ao que está acontecendo à volta é palavra de ordem”, destaca o Bike Anjo.
Orientação gratuita – Desenvolvido por ciclistas paulistas apaixonados pela cidade e esperançosos por uma melhor qualidade de vida, com menos poluição e barulho, o projeto visa uma convivência pacífica no trânsito e foi disseminado em outros 15 estados do país e no DF. “Queremos mais bikes e menos carros nas ruas, e essa é nossa intenção ao oferecer orientação gratuita aos iniciantes que têm dúvida sobre como se portar no trânsito”, explica o grupo na página oficial na internet, www.bikeanjo.com.br.
A serviço de quem pedala – Enquanto mais pessoas saem de casa pedalando por lazer ou para o trabalho, a cidade ajusta o foco de suas prioridades. Shoppings oferecem estacionamento para quem vai de bike, e hotéis se preparam para oferecer um serviço de empréstimo de bicicletas para os hóspedes. Outro filão que investe na galera do pedal são os cafés. Caso do Objeto Encontrado, na 102 Norte, onde os irmãos e sócios Bebel e Lucas Hamu já investiram em um bicicletário para os clientes, além de planejar promoções para quem chegar sob duas rodas. “Para nós, dar acesso a quem usa esse meio de locomoção é pensar na cidade como um todo”, explica Lucas.
Cliente e amigo dos empresários, Marcelo Ribeiro, 24 anos, mora na Asa Norte e circula bastante de bike pelas superquadras da região. No entanto, ele ressalta: nem todos os cafés e restaurantes se habilitam a receber os ciclistas. Por ser frequentador do café, ele aposta na iniciativa de Bebel e Lucas, que acreditam fazer parte de um futuro roteiro de cafés bike friendly na capital.
Esse perfil de local já existe em São Paulo, por exemplo. Na capital paulista, é possível escolher roteiros de turismo que incluem cafés e restaurantes onde se chega, sem preconceito, de magrela. A demanda é tanta que outra iniciativa interessante aliou o café ao ciclismo. A ideia partiu de três amigos: Cadu Ronca, 29 anos, advogado, Murilo Casagrande, 31, publicitário, e André Rodrigues, 29, designer. Neste ano, o trio lançou uma marca de café, a Bike Café, vendida em um bar/bicletaria paulistano.
Com o slogan “Um café especial que ajuda a espalhar mais bikes por aí”, eles revertem o lucro das vendas para projetos que colocam cada vez mais bikes “em ruas mais seguras, fluidas, divertidas e democráticas”, reforça Murilo. E a demanda não para de crescer. A cada mês, novos espaços abrem as portas para quem não dispensa a bicicleta como meio de transporte. Na página www.bikeit.com.br/brasilia, é possível conferir cafés, restaurantes, shoppings e outros espaços que permitem o acesso a quem chega pedalando. Como o site é colaborativo, é possível incluir novos endereços bike friendly.
Leia a matéria completa na edição nº 426 da Revista do Correio.
Fonte: Correio Braziliense