“A bicicleta é muito boa para tirar as coisas ruins de sua cabeça, como o genocídio”. Quem diz isto é Obed Ruvogera, e a naturalidade com que usa a palavra “genocídio” não é exclusiva do massagista da equipe ou qualquer dos ciclistas da Team Rwanda. Isto porque foi mesmo isso que aconteceu em Ruanda em 1994, quando a maioria étnica hutu assassinou cerca de um milhão de tutsis.
Todos os membros da equipe de ciclismo de Ruanda, um pequeno país africano fincado no centro do continente eram crianças nessa altura e ainda têm recordações dolorosas. E os problemas do país não se resumem ao que aconteceu naquele mês de abril. “A vida é muito dura aqui em Ruanda. Muitos membros de nossa equipe não foram à escola e começaram a pedalar em táxis-bicicleta”, recorda Adrien Niyonshuti, o caso mais bem sucedido da equipe. Apesar do relevo montanhoso do país, em Ruanda nunca houve competições locais, com excepção do Tour de Ruanda.
O cenário mudou em 2006, quanto Tom Ritchey, um dos criadores da bicicleta mountain bike e lenda viva do ciclismo, interessou-se pelo país e pelas bicicletas de madeira que via pelas ruas. Conseguiu convencer o primeiro ciclista norte-americano a participar no Tour de France, Jock Boyer, a organizar a Wooden Bike Classic (Clássico Bicicleta de Madeira). O vencedor foi Adrien, com uma bicicleta emprestado do irmão. Um dos poucos que, como ele, sobreviveram a 1994 (seis dos outros foram mortos).
Boyer viu potencial e decidiu montar uma equipe. A ideia era ficar apenas uns meses – sete anos depois, Boyer continua a viver no Ruanda e a orientar a equipe. “O país vai deixar de ser conhecido apenas pelo genocídio e vai passar a ser conhecido também pela sua equipe de ciclismo”, garante.
Desde ensinar os ciclistas a comer enquanto pedalam, passando por substituir as suas chuteiras (transformadas em sapatilhas de ciclismo improvisadas) por material adequado, Boyer tornou-se um pai para os atletas. E os resultados têm chegado, como comprova o documentário “Rising from the Ashes”, que acompanha o percurso de alguns jovens da Team Rwanda. Como Nicodem Habiyambere, que está num centro de treinos da UCI na Suíça, por exemplo. Mas a personagem principal é Adrien, que chegou ainda mais longe ao qualificar-se para os Jogos Olímpicos de Londres, onde terminou em 39º lugar. O sucesso do atleta olímpico do país tem inspirado outros que lhe seguiram seus passos (ou pedaladas!) e neste momento as crianças de Ruanda estão cada vez mais interessadas no ciclismo. Niyonshuti tem apenas uma regra para os jovens que o seguem: metade das bicicletas que entram no país têm de ir para meninas. O seu novo objetivo é pô-las também para pedalar.