Christian Haettich tem apenas um braço e uma perna. Mas durante 22 dias neste verão, ele pedalou pelas montanhas Dolomitas, Alpes e Pirineus e foi um dos 10 finalistas de uma maratona de ciclismo de três semanas
Quando surgiu, a Haute Route era uma corrida de sete dias. Mas, em 2014, foram três corridas de 7 dias, passando pelas principais cadeias montanhosas da Europa. A maior parte dos ciclistas faz apenas uma destas fases, mas um pequeno grupo, conhecido como os Triple Crown, percorrem as três.
A corrida tem 22 dias, com apenas um de descanso. Neste período, os ciclistas percorrem 2575 quilômetros e passam por 60 subidas – são cerca de 60 mil metros de subida, mais de 6,5 vezes a altura do Everest.
Nascido na Alsácia, na França, Haettich foi atingido por um carro quando dirigia uma moto aos 15 anos. Ele perdeu a perna a partir do quadril e o braço do cotovelo para baixo.
“Tive que aprender a viver de novo e lidar com pessoas me encarando. É difícil ser deficiente nesta idade. Pensei até em suicídio”, conta.
Embora sempre tivesse sido fã de ciclismo, ele só começou a pedalar profissionalmente com mais de 30 anos, quando já era casado e tinha filhos. Começou a treinar após ver um homem com apenas uma perna subindo uma montanha.
Para aprender a andar de bicicleta, Haettich teve que trabalhar seu equilíbrio. Haettich tem uma prótese para andar, mas ela não é adequada para pedalar.
“Não tinha equilíbrio e cai várias vezes. Pensei em desistir. Minha mulher me ajudou até o dia em que eu consegui pedalar sozinho -e, neste momento, tudo começou. Demorou quase um ano até eu ganhar confiança, mas no final o esforço valeu a pena”.
Para pedalar com uma perna só, ele usa um clipe que prende seu pé ao pedal. Só assim é possível puxar o pedal para cima de novo para o próxima pedalada sem cair.
Em 1999, o ciclista começou a treinar para competir nas Parolimpíadas de Sydney. Mas, 15 dias antes das seletivas, ele descobriu que sua categoria de deficiência não seria incluída nos Jogos.
A partir daí, Haettich decidiu pedalar em corridas amadoras, abertas para todos os ciclistas.
Mas aprender a pedalar em montanhas não foi fácil. Os ciclistas normalmente dividem o esforço entre as duas pernas, mas Haettich teve que desenvolver uma técnica para conseguir fazer tudo com uma só.
“Nas primeiras montanhas, fiquei extremamente mal, pensei que ia morrer. Treinei todos os dias, por 15 dias. Hoje eu rio, mas fui muito difícil”.
Em subidas íngremes, muitas vezes os ciclistas levantam do banco e sobem de pé – o que ajuda a subir e também permite alongar um pouco o corpo. Mas, para Haettich, isso não é uma opção.
“Minha deficiência nunca me impediu de pedalar. Isso me dá determinação e força mental. Eu não posso pedalar de outra forma, então eu não tenho escolha”, diz.
Já as descidas ele consegue fazer mais rápido que a média dos ciclistas – atinge até 107 km/h.
“Adoro descer tanto quanto amo subir”, diz ele. “Em uma descida fico muito focado e sempre olho para frente. Eu certamente desço rápido, mas mantenho a cautela.”
Questionado se é uma fonte de inspiração para outros ciclistas, ele responde que isso precisa ser perguntado para eles. “De toda forma, fico muito orgulhoso. Sei que muitos ciclistas me acham um exemplo, pelo meu comprometimento, minha força mental, mas eu os admiro também”.
O Haute Route de 2014 terminou em 7 de setembro, no Col d’Ibardin, nos Pirineus franceses.
Quando Haettich cruzou a linha de chegada, ouviram-se aplausos e sirenes das motos de apoio. Nos últimos 100 metros, o público aplaudiu e gritou seu nome.
“Andar de bicicleta é acima de tudo uma paixão, é liberdade. Quando vejo tudo que fiz em uma bicicleta, fico orgulhoso. Pedalar me traz felicidade e um verdadeiro equilíbrio, isso é indiscutível. O ciclismo leva minha deficiência embora, me ajuda a seguir em frente, me ajuda a ir sempre mais longe, a fazer um esforço extra. A bicicleta é uma fonte de inspiração.”
Fonte: BBC