Pela primeira vez, paraciclistas disputam a principal ultramaratona de MTB das Américas, disputada na Chapada Diamantina, na Bahia
Os líderes da Brasil Ride 2015 recebem, merecidamente, todos os louros a cada etapa vencida na principal ultramaratona de MTB das Américas. Porém, não devem ter recebido tantos elogios e parabéns quanto Jefferson Spimpolo, Athos Martins da Costa e Thiago Ribeiro na sexta edição da competição. Os três paraciclistas têm dado verdadeiras lições de superação nas trilhas da Chapada Diamantina, na Bahia.Na estreia do paraciclismo na Brasil Ride, os paratletas competem na categoria open, ao lado de alguns dos melhores bikers do mundo. Jefferson e Athos formam uma dupla de amigos, enquanto Thiago pedala ao lado do irmão Lucas, que não é portador de deficiência física. “O pessoal me dá os parabéns. Tem gente que já me conhece, outras querem saber de onde sou e tem quem diz que já virou meu fã”, diz Athos.
Entre os três, Spimpolo é o mais experiente e consolidado no esporte, com quatro participações no Campeonato Mundial de Paraciclismo. Para fazer sua estreia na ultramaratona de MTB na Chapada Diamantina, convidou Athos para ser sua dupla. Mas foi além. Desenvolveu uma peça para que o parceiro, amputado na altura do cotovelo do braço esquerdo, tivesse mais apoio na bike.
“Eu sou meio professor Pardal, meio inventor. Sabia que o regulamento exige que andemos juntos, então, eu tinha que melhorar a pilotagem do Athos de alguma forma. Andei cerca de 5 km só com um braço no guidão para sentir como é. E não tem condições. É ruim demais, especialmente nas descidas. E ele usava só o freio de trás. Imagina, nessas trilhas difíceis da Brasil Ride, só com o freio de trás? Não dá para fazer nada. Fui no ferro velho, peguei uma mesa de bike, um cano, soldei e fiz um bercinho para o braço. Deu certinho”, disse Spimpolo, que teve os movimentos da perna esquerda limitados após sofrer um acidente de moto aos 14 anos, com uma fratura exposta.
Até a estreia do suporte na Brasil Ride, Athos pedalava na base do improviso. “Antes eu usava uma cordinha, igual uma rédea de cavalo. Mas isso só funcionava na subida. O suporte ajuda muito na descida. Quando se é deficiente, qualquer melhoria faz muita diferença”, afirmou o mineiro de Santa Bárbara, que teve parte do antebraço esquerdo amputado após um acidente de carro aos sete anos.
Jefferson conta que o amigo testou o equipamento pela primeira vez quando visitou sua casa, em São José do Rio Preto, interior de São Paulo. “Nunca vou esquecer. Foi muito legal, porque a hora que ele saiu da oficina e foi dar uma volta na rua, passou guiando com o braço amputado e dando tchãozinho. O sorriso dele foi de orelha a orelha. O cara viajou e foi logo dizendo que agora daria para beber água sem descer da bicicleta”, lembra.
Além do apoio para o braço, Athos passou a usar os dois freios, colocados no lado direito do guidão. A meta da dupla é desenvolver o equipamento. “O mais interessante seria ter um braço artificial acoplado, porque, hoje, apesar de ter melhorado demais, não tenho o movimento de flexão da articulação do cotovelo para amortecer. Sinto muito as pancadas na descida e não consigo desenvolver tão bem a parte técnica”, completa.
Jefferson e Athos também competem no ciclismo de estrada e pista, mas ambos adoram encarar trilhas. O início de Athos na modalidade é curioso. Ele tinha o sonho de pedalar de Belo Horizonte até sua cidade natal, em um percurso de 110 km. “Em 2009, quando eu tinha 21 anos, resolvi fazer essa trilha, que é linda. Foi na véspera de Natal e demorei 15 horas. Nos anos seguintes continuei fazendo o mesmo trajeto para baixar meu tempo. E consegui fazer em sete horas”, conta o atual campeão brasileiro de pista.
O acidente que amputou o antebraço de Athos também tirou a vida de seus pais. Desde então, ele mora com a avó e a bicicleta sempre fez parte de sua vida. “Quando sofri o acidente, eu já sabia pedalar. Eu sempre pedalei, mas depois disso, tive que reaprender a me equilibrar. Tomei vários capotes. Daí fui pegando a manha, o jeito que a bike curva. O equilíbrio está na cabeça, então, além de dirigir, tenho que ficar mentalizando o equilíbrio”, conta. Agora, com o suporte para o braço, ele está novamente adaptando seu estilo de pedal.
Thiago compete com o irmão – Vindo de Itaguara, Minas Gerais, Thiago Ribeiro conta com o incentivo do irmão Lucas nas trilhas da Chapada Diamantina. “No meu caso, que não tenho 50% dos movimentos do braço (devido a uma lesão no plexo braquial ocorrida no parto), o mais difícil é o empurra bike”, disse, se referindo aos trechos em que é necessário descer da bicicleta para seguir em frente. “Comecei fazendo downhill e pratico mountain bike há dois anos e meio. A Brasil Ride é minha quarta prova”, contou ele que, assim como o Athos, adaptou os dois freios para um dos lados do guidão.
Adaptações múltiplas – Athos e Jefferson chamam a si mesmos de uma dupla desbalanceada. O mineiro sofre nas descidas em função da deficiência no braço, enquanto o paulista tem sérias dificuldades quando precisa empurrar a bike nas subidas, porque sua perna inviabilizava qualquer tentativa de corrida. Mesmo assim, ‘sobreviveram’ a seis etapas e largaram para se tornar finishers no sétimo e último estágio, neste sábado (24), em Mucugê.
Outra diferença foi o conhecimento dos desafios nas trilhas. “Moro em uma região de muito mato, entre o serrado e a mata atlântica. É tudo parecido aqui na Chapada. Está dentro do que eu esperava. Mas meu parceiro sentiu, porque ele é de Rio Preto e lá o terreno é de outro tipo”, explicou Athos. Apesar da dificuldade. Jefferson adorou a experiência na Bahia. “No segundo dia, na difícil trilha do Vietnã, sofremos muito. E já sabíamos que ali seria o pior para nós. Mas no outro dia, acordamos com uma energia diferente, Não sei o que tem nesse lugar aqui. A hora que você pensa que vai ficar fraco, você fica mais forte”, completou.