Existe um debate interminável entre mecânicos e ciclistas sobre qual é o melhor tipo de graxa para utilização em bicicletas. Longe de haver uma resposta simples, a verdade é que devido às suas propriedades físico-químicas, cada produto possui suas próprias características de viscosidade, adesividade, durabilidade, resistência à água e às altas temperaturas. Assim, cada parte da sua bicicleta necessita de uma graxa específica.
Para ajudar na escolha da graxa correta para a sua bike entre as centenas de opções disponíveis, vamos conhecer melhor estas características.
Como são produzidas
Basicamente falando, graxas utilizam em sua composição pelo menos três ingredientes:
Óleo (entre 70 a 90%) – Base lubrificante, que pode ser de origem mineral ou sintética;
Espessante (entre 3 a 30%) – Material que em contato com o óleo-base resulta em uma estrutura semi-fluida. O principal espessante utilizado em graxas de uso em bicicletas é o sabão obtido obtido a partir de metais como lítio, alumínio, sódio e cálcio, entre outros.
Outros tipos de espessantes como polímeros e cerâmicas vem ganhando popularidade nos últimos tempos, graças às suas características de resistência ao calor e à água e ao fato de serem mais polivalentes que os espessantes a base de sabões metálicos.
Aditivo (entre 0 a 10%) – Conforme o uso a qual se destinam, as graxas podem receber aditivos como anti-oxidantes e inibidores de ferrugem ou que aumentem sua resistência à pressão e à alta/baixa temperatura.
Dependendo do tipo e da porcentagem de cada ingrediente, as graxas poderão diferir entre si em termos de resistência à água, à temperatura e à pressão, viscosidade, adesividade e estabilidade.
Propriedades
Para escolher qual a graxa mais indicada para uma utilização específica, é necessário conhecer suas principais propriedades físico-químicas:
Consistência – Trata-se da medida da rigidez da graxa. A consistência correta fará com que a graxa permaneça na peça ou componente da bicicleta, sem gerar muito atrito. Ela é classificada de acordo com uma escala desenvolvida pelo NLGI (National Lubricating Grease Institute). Quanto mais macia a graxa, menor será seu número NLGI.
Via de regra, graxas utilizadas na manutenção de bicicletas situam-se entre os números 1 a 3.
Classificação de graxas por número de consistência NLGI
Número NLGI |
Penetração ASTM (10–1 mm)* |
Aparência em temperatura ambiente |
Consistência equivalente em culinária (para fins de comparação apenas) |
---|---|---|---|
000 | 445–475 | Muito fluida | Óleo de cozinha |
00 | 400–430 | Fluida | Mel |
0 | 355-385 | Semifluida | Molho de mostarda |
1 | 310–340 | Muito macia | Extrato de tomate |
2 | 265-295 | Macia | Manteiga de amendoim |
3 | 220-250 | Dureza média | Margarina (gelada) |
4 | 175-205 | Dura | Frozen Yogurt |
5 | 130-160 | Dureza alta | Patê |
6 | 85-115 | Extremamente dura | Queijo cheddar |
*O teste de penetração ASTM mede a profundidade atingida por uma amostra de graxa colocada em um cone de medição, em décimos de mm
Temperatura de trabalho – Fator de extrema importância nos rolamentos de cubos, cuja rotação elevada faz com que os mesmos atinjam altas temperaturas, capazes de degradar o elemento lubrificante. Nos demais rolamentos, incluindo os do movimento central, este fator é menos relevante.
Toda graxa possui uma faixa de temperatura de trabalho, via de regra especificada em sua embalagem, que fica entre a temperatura mínima de uso (Low Temperature Limit – LTL) e a temperatura máxima de uso (High Temperature Performance Limit – HTPL).
Utilizar a graxa abaixo do LTL fará com que ela solidifique e falhe em sua função lubrificante. Por outro lado, temperaturas acima do HTPL fará com que a graxa seja degradada de maneira descontrolada, impossibilitando a determinação precisa de sua vida útil.
Viscosidade e adesividade – Características que determinarão a vida útil da graxa na superfície da peça ou componente. A viscosidade apropriada deve garantir uma separação adequada entre as superfícies, sem causar muito atrito.
Já a adesividade garante uma boa coesão entre a graxa e a superfície a ser aplicada e, via de regra, está diretamente ligada à sua vida útil em contato com a peça a ser protegida.
Tipos de graxa utilizadas em bicicletas
Lítio – A graxa mais utilizada em oficinas mecânicas é também a mais controversa, já que seu uso indiscriminado pode danificar alguns componentes da bicicleta.
De preço acessível e ótimas características de resistência à água, estabilidade térmica e de inibição de ferrugem, as graxas a base de sabão de lítio são indicadas apenas em rolamentos e caixas de direção (na espessura máxima de 2 NLGI).
No entanto, deve-se evitar a qualquer custo o uso deste tipo de graxa nos demais componentes da bicicleta, principalmente na manutenção de suspensões, onde o lítio poderá reagir não apenas com os delicados componentes plásticos (retentores e selos), como também no óleo do interior das canelas. Não bastasse isto, graxas a base de lítio são extremamente danosas à fibra de carbono.
“O lítio é extremamente nocivo para bicicletas, porque seu PH reage com os componentes da bike, acelerando o desgaste”, diz Henrique Zompero, fundador da Escola Park Tool.
Poliureia – Material desenvolvido na década de 1980, a poliureia ingressou no mercado de graxas e lubrificantes para bicicletas no fim dos anos 90 e início dos anos 2000.
Graxas que utilizam este material como espessante possuem características de resistência à água, estabilidade térmica e de inibição de ferrugem similares às que utilizam sabão de lítio. Entretanto, não atacam componentes plásticos ou fibras sintéticas como o carbono, sendo portanto ideais para o uso geral em oficinas.
Suas características de adesividade e viscosidade permitem seu uso na manutenção de amortecedores e garfos de suspensão, como é o caso da PM600, fabricada pela Balmar LCC e distribuída no Brasil pela Isapa.
“Na Escola Park Tool utilizamos a PM600, que consideramos uma das melhores do mercado, graças às suas propriedades adesivas e coesivas. Ela pode ser usada em suspensões e também outros componentes como rolamentos e até em bombas de ar”, recomenda Zompero.
Silicone – Pouco espessa e com alto poder de penetração, é recomendada na lubrificação de cabos e conduítes de marcha e freios mecânicos. Possui boa resistência à água e sua cor translúcida evita manchas indesejadas.
Seu baixo ponto de fusão a torna inapropriada na manutenção de rolamentos.
Teflon – Graxa sintética de alta qualidade, formulada com aditivos a base de Politetrafluoretileno (PTFE), patenteado pela DuPont com o nome de Teflon. Mais resistente a água e mais durável que as graxas a base de sabão de lítio, possui entretanto uma resistência a rolagem ligeiramente maior e custa entre 5 a 10 vezes mais que as graxas comuns.
Outro problema que deve ser levado em consideração durante a sua utilização é a alta toxidade do Teflon, tanto para o usuário quanto para o meio ambiente.
Cerâmica – Formulada a partir de micropartículas de cerâmica e fluoro-polímeros, este tipo de graxa possui a capacidade de dissipar o calor de forma mais eficiente que as graxas comuns e é por isso indicada na manutenção de rolamentos de cubos, de cerâmica ou aço.
Seu alto custo inibe sua utilização como graxa de uso geral.
Cálcio – Além da sua facilidade de fabricação, que reflete no baixo custo ao usuário, graxas de sabão de cálcio possuem boa resistência a água e não atacam componentes plásticos. sendo indicados lubrificação interna de componentes de amortecedores e garfos de suspensão.
Entre as graxas a base de sabão de cálcio mais utilizadas em oficinas de bicicletas destaca-se a Slickoleum, De baixa consistência (NLGI 2), possui boa taxa de adesividade, sendo perfeita para utilização no interior de amortecedores.
“Utilizamos a graxa Slickoleum na lubrificação dos retentores e componentes internos de nossas suspensões”, diz William Rodriguez, responsável técnico da Fox Racing Shox Brasil. “Outros podem danificar o funcionamento dos amortecedores da marca e sua consequente perda de garantia”, alerta.
Outro fabricante adepto desta graxa é a SRAM, que a utiliza em seus amortecedores RockShox (sob o nome fantasia SRAM Butter).
Devido ao seu baixo ponto de fusão (80°C), graxas a base de sabão de cálcio não devem ser utilizadas em rolamentos de cubos de rodas.
Anti-Seize – Este tipo de graxa, que utiliza como espessante metais como cobre, zinco, alumínio, níquel ou molibdênio, é utilizada para evitar que peças como alumínio, aço e titânio sobram os efeitos da chamada corrosão galvânica, processo químico onde um metal corrói a outro que esteja em contato, causando com isto uma espécie de ‘soldagem a frio’.
Pode e deve ser utilizado na montagem de parafusos da mesa, conjunto coroas/pedivela e até mesmo no canote do selim e nos parafusos de fixação dos taquinhos das sapatilhas.
São de uso obrigatório na montagem de peças de titânio, magnésio e escândio e, devido às suas características de resistência à alta temperatura, são também perfeitas para serem utilizadas nos parafuso de fixação dos rotores de freio.
Géis texturizados
Embora tecnicamente não sejam graxas, já que não utilizam a mistura óleo/espessante, géis texturizados são chamados equivocadamente por muitos de ‘graxas de carbono’.
Ao contrário das graxas entretanto, a função do produto é justamente aumentar o atrito entre superfícies, evitando o deslocamento de peças que não podem sofrer apertos excessivos, sob o risco de se quebrar, como canotes de carbono, por exemplo.
O produto usa como base um gel mineral, misturado com micropartículas de sílica – e não fibra de carbono como se poderia supor -, que resulta em uma textura arenosa que evita o deslizamento.
Ideal para aplicação em abraçadeiras, guidão, canote e em outras peças de carbono, pode também ser utilizada em canotes de alumínio em quadros de carbono e vice-versa.
Dicas
- Evite a todo custo contaminar a graxa nova com resíduos de graxa velha. Limpe completamente a superfície das peças com álcool isopropílico ou desengraxantes industriais como o Algoo antes da aplicação;
- Utilize sempre equipamentos de proteção como óculos e luvas;
- Aplicadores de graxa do tipo grease gun são excelentes para a aplicação de graxa sem desperdício. Na ausência deste, utilize uma seringa grande, sem a agulha.