Proibição de cunho religioso do uso da bicicleta por mulheres iranianas teve efeito contrário ao desejado pelo fundamentalismo, com o crescimento do número de ciclistas do sexo feminino
Em um país de gritantes contrastes, onde mulheres que pilotam aviões comerciais ou presidem grandes empresas são obrigadas a sentar-se na parte traseira de ônibus, a bicicleta está causando uma silenciosa e crescente revolução na busca pela igualdade de gênero no Irã.Desde que em setembro último, o supremo líder religioso iraniano, Aiatolá Ali Khamenei pronunciou uma fatwa proibindo explicitamente as mulheres do país a utilizarem bicicletas, o número de ciclistas do sexo feminino não apenas não apenas não foi reduzido, como começa a dar sinais de estar crescendo.
Ironicamente, a presente fatwa foi proferida pouco tempo após o governo iraniano ter lançado uma campanha de incentivo à alternativas não poluentes de transporte, na qual várias mulheres aderiram com suas bicicletas, de acordo com a Radio Zamaneh. Atualmente Teerã, capital do Irã, é considerada uma das cidades mais poluídas do mundo.
Para o aiatolá Khamenei, “o uso de bicicletas por mulheres precisa ser abandonado pois atrai a atenção dos homens e expõe a sociedade à corrupção, violando portanto a castidade das mulheres”.
Desde a proibição entretanto, milhares de fotos de iranianas pedalando suas bikes vem invadindo as redes sociais com a hashtag #IranianWomenLoveCycling (mulheres iranianas amam pedalar), promovida pela ativista Masih Alinejad, criadora da página do Facebook My Stealthy Freedom, focada nos direitos das mulheres muçulmanas.
Para Alinejad, o “ato de rebelião” das ciclistas iranianas sequer pode ser encarado como uma rebelião por si: “Esperar que as mulheres iranianas tenham o mesmo direito dos homens de pedalar suas bikes não é pedir muito”, diz. “Nós sequer estamos fazendo algo contra a lei, já que a atividade não é proibida pelo código legal do Irã. Trata-se de uma interpretação pessoal de uma questão religiosa”, completa.
Mesmo entre os clérigos xiitas responsáveis pelo cumprimento da lei islâmica no país, a proibição encontra seu críticos. Para o aiatolá Makharem Shirazi, não há nada intrinsecamente errado em uma mulher utilizar uma bicicleta. No entanto, cada caso deve ser analisado individualmente sempre que houver “risco de pecabilidade”.
Seja como for, a vida das mulheres ciclistas no Irã não tem sido fácil. No último dia 6 de setembro, a polícia moral iraniana impediu um grupo de ciclistas de pedalarem pelas ruas de Teerã, alegando que o grupo não tinha autorização do conselho de segurança da cidade para a realização do evento.
Jurisprudência – Tecnicamente, o uso da bicicleta por mulheres no Irã não é contra a lei do país. Entretanto, as mulheres tem sido vítimas de uma série de desestímulos ao ciclismo em vários pontos da recente história da República Islâmica do Irã.
Há poucos anos atrás, o chefe de polícia de Teerã determinou que mulheres seriam impedidas de circular com bicicletas na cidade, mas a ordem foi retirada em 2012 pelo governo da cidade, que alegou não haver proibição legal contra a circulação de ciclistas do sexo feminino na cidade.
Apesar do debate em diferentes níveis administrativos e religiosos, em termos práticos, as mulheres permanecem proibidas de poderem utilizar serviços ciclísticos oferecidos na cidade, como o aluguel de bicicletas.
Embora existam um número considerável de quiosques de aluguel de bikes para transporte, nenhuma delas permite sua utilização por mulheres.
Segundo os administradores da Parsa Company, uma das inúmeras empresas de aluguel de bicicletas compartilhadas no Irã, “o uso de nossas bicicletas não é recreacional, mas somente para mobilidade, por isto não fornecemos o serviço para mulheres”, disse o representante da empresa que, aparentemente ignora que 30% da mão de obra e 60% das vagas em universidades do país são ocupadas por mulheres.