Nova norma dificulta a expansão da rede cicloviária e permite a revisão e até extinção de trechos já existentes, além de reduzir a segurança dos ciclistas
O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), sancionou nesta terça-feira (7) uma Lei Municipal que praticamente liquida com a possibilidade de criação de novas ciclovias na capital paulista. De acordo com a proposta na nova lei, de nº 16.738/2017, será preciso realizar estudos de demanda e de impacto viário antes de projetar uma nova via para bicicletas na cidade.Além disso, a proposta altera a Lei Municipal 14.266/2007, determinando que o sistema cicloviário passe a ser composto “preferencialmente por faixas compartilhadas e ciclovias”, excluindo as ciclofaixas.
A justificativa do projeto de lei aprovado, de autoria do vereador João Jorge (PSDB) é que, em vários casos, vias comerciais inteiras foram afetadas por ciclovias ou ciclofaixas sem necessidade, por falta de demanda. Além disso, segundo o vereador, alguns trechos colocam pedestres e ciclistas em situações de risco.
“O ciclista se tornou um rival dos demais meios de transportes. É preciso pensar em soluções de mobilidade urbana”, explicou João Jorge.
Segundo o vereador, as atuais ciclofaixas da cidade enfrentam problemas. “Diversos trechos foram implantados somente para somar quilometragem ao montante total do sistema cicloviário. Essa desatenção técnica resultou em trechos inseguros para os próprios ciclistas, com árvores, postes e demais objetos fixos capazes de causar acidentes”, diz.
Para os cicloativistas que acompanharam os debates na Câmara Municipal, na prática, o objetivo da norma é dificultar a expansão da rede cicloviária da cidade e apenas implantar ciclovias em trechos que não retirem espaço dos automóveis, não atrapalhem o estacionamento em escolas e outros centros de atração.
Em entrevista à Rádio Bandeirantes, João Jorge disse que as regras valem também para rotas já existentes. O vereador declarou que algumas ciclovias, ciclofaixas e ciclo-rotas poderão ser extintas com base na nova lei e que um requerimento já aprovado determina que a prefeitura revise mais de 100 trechos de ciclovias na capital.
Retrocesso – Desde o início de seu mandato, a gestão Doria praticamente declarou guerra às ciclovias, apagando diversos trechos e paralisando os investimentos. Com a Câmara Temática da Bicicleta do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte (CMTT) transformada em um espaço meramente formal, sem qualquer discussão efetiva, a prefeitura anunciou recentemente a revisão do Plano Cicloviário da Cidade de São Paulo, sem a participação dos ciclistas.
“A política cicloviária em São Paulo já está esvaziada desde a entrada da atual gestão. Ainda em época de campanha, Doria já se mostrava contrário à expansão da rede, afirmando diversas vezes que iria tirar ‘ciclovias ruins’. A lei do vereador João Jorge, da base governista, nada mais é do que uma afirmação desta visão que contraria a Política Nacional de Mobilidade Urbana e uma tendência mundial”, disse Rene José Rodrigues Fernandes, diretor da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade) e pesquisador em políticas públicas.
Segundo o Plano Nacional de Mobilidade Urbana, a prioridade nas vias deve ser concedida prioritariamente aos meios não motorizados, seguida pelo transporte coletivo e só então aos automóveis particulares. Na capital paulista, segundo a Pesquisa de Mobilidade da Rede Nossa São Paulo, 71% da população é favorável à ampliação da construção de ciclovias e ciclofaixas. Entre os usuários de carro, 67% são a favor.
Dentre as preocupações dos ciclistas está a falta de segurança de transitar em uma via compartilhada com carros, ônibus e caminhões, sem segregação dos ciclistas. “O compartilhamento das vias com veículos automotores é um dos grandes entraves para o aumento do número de ciclistas em qualquer cidade. Precisamos pensar em uma infraestrutura cicloviária que abarque desde crianças que vão para a escola até idosos”, salientou Fernandes.
Em sua justificativa pela aprovação da lei, os vereadores alegam que “várias vias comerciais foram afetadas por ciclofaixas sem qualquer demanda”. O diretor da Ciclocidade considera o argumento falso. “Em 2009, a cidade de Nova Iorque construiu suas primeiras ciclovias. Inicialmente, o projeto foi recebido com preocupação pelos comerciantes afetados. Apenas 3 anos depois, um estudo realizado pelo departamento de transportes nova-iorquino constatou um aumento de 49% nas vendas de varejo local perto das pistas de bicicleta recém-criadas, em comparação com um aumento de apenas 3% em toda a cidade”, conclui Fernandes.