Realizada pela primeira vez na América Latina, conferência Velo-City discute o papel da bicicleta e suas conexões com educação, transporte, turismo, lazer, cultura, inovação, sustentabilidade e políticas públicas
Interessados em ciclismo de todo o mundo estão reunidos, nesta semana, no Rio, no Velo-City, fórum que está sendo realizado pela primeira vez acontece na América Latina. Organizado pela Federação Europeia de Ciclistas (ECF), o evento tem apoio da prefeitura do Rio e vai até sexta-feira (15), com uma pauta que discute a bicicleta e suas conexões com educação, transporte, turismo, lazer, cultura, inovação, sustentabilidade e políticas públicas.Considerado a maior série de conferências internacionais sobre planejamento sobre mobilidade urbana e bicicleta, o fórum teve sua primeira edição em 1980, em Bremen, na Alemanha, e já passou por cidades como Copenhague, Bruxelas, Barcelona e Montreal. A programação reúne cientistas, ativistas, empresários, engenheiros, arquitetos e ambientalistas, além de representantes da indústria e do poder público.
Nesta quarta-feira (13), foram apresentados no evento os resultados do recém-concluído estudo Economia da Bicicleta no Brasil. Conduzido por pesquisadores do Laboratório de Mobilidade Sustentável da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Labmob/UFRJ), em parceria com a Aliança Bike, associação que reúne empresas do seto, o estudo revela forte discrepância nos investimentos em políticas públicas quando se comparam Rio e São Paulo às demais capitais.
Um dos dados da pesquisa é a estimativa dos investimentos feitos em ciclovias, ciclorrotas e faixas compartilhadas nas 27 capitais. O cálculo, feito a partir do custo médio por quilômetro de via implantada em cada região do país, revela que o Poder Público destinou R$ 1,2 bilhão à implantação de mais de 3 mil quilômetros. São Paulo e Rio de Janeiro, somando R$ 540,1 milhões, receberam 45% do total investido.
“O desafio desse trabalho foi mapear e monetizar a economia da bicicleta no Brasil. É um estudo bem amplo (…), no qual identificamos um complexo sistêmico econômico, ou seja, há participação de diversas vertentes da economia, articuladas em rede. Identificamos cinco dimensões principais: cadeia produtiva, políticas públicas, transporte, atividades afins e benefícios”, disse o planejador urbano e coordenador executivo da pesquisa, Pedro Paulo Machado Bastos.
Ele lembrou que verbas públicas têm garantido, além das ciclovias, infraestrutura de estacionamento. Sete capitais – Aracaju, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo – têm pouco mais 4 mil bicicletários e paraciclos, cujas estimativas apontam para um custo total de R$ 1,78 milhão. Nesse quesito, a concentração é ainda maior: São Paulo e Rio de Janeiro respondem por R$ 1,45 milhões, o que representa 81%. Considerados os gastos globais no país, os pesquisadores disseram que “a infraestrutura de estacionamento ainda se mostra pouco incorporada às políticas públicas”.
O estudo analisa ainda as parcerias instituídas para estruturação de um sistema público de bicicletas compartilhadas. Segundo o levantamento, 13 capitais têm 906 estações com 7.861 bicicletas disponíveis. Os maiores sistemas estão em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Recife.
Cadeia produtiva – Dados da cadeia produtiva compilados pelo Labmob/UFRJ no período de 2006 a 2016, mostram que o setor vem se desenvolvendo. A indústria empregou mais de 7 mil pessoas em 2016 na fabricação de bicicletas, peças e componentes diversos, em 296 estabelecimentos em todo o país. Em 2006, a fabricação era responsável por pouco mais de 4 mil postos de trabalho. O estudo aponta, porém, ligeira trajetória de queda desde 2013, quando 8,8 mil trabalhadores atuavam no ramo.
A indústria produziu mais de 5 milhões de bicicletas no Brasil em 2015, gerando receitas de R$ 728 milhões e garantindo remuneração aos empregados do setor acima de R$ 14 milhões. Os números do levantamento indicam ainda leve queda do comércio varejista de 2011 a 2016, ano em que foram registrados 5.689 estabelecimentos empregando 13,7 mil pessoas.
Há, no entanto, empresas que crescem no setor. Segundo a plataforma de compra e venda online OLX, no primeiro trimestre deste ano, foram feitas mais de sete buscas por minuto por anúncios de bicicletas e componentes, e a cada minuto, uma venda foi concretizada. Foram 99 mil vendedores com negócios bem sucedidos, crescimento de 7,42% na comparação com o mesmo período de 2017. Rio e São Paulo ficaram com 32,06% dessas transações.
Representantes do setor apontam a ligação entre o aumento da infraestrutura e o crescimento econômico. A indústria da bicicleta é a maior beneficiada pelos investimentos nas cidades, mas o mercado brasileiro, muitas vezes, reluta em ver os benefícios da expansão cicloviária, diz João Guilherme Lacerda, integrante da Transporte Ativo, uma associação formada por defensores da mobilidade sustentável e da qualidade de vida.
“Aí, a pressão fica na mão de ativistas e ciclistas. Se o comércio e a indústria começarem a enxergar o potencial e a perspectiva de aumentar o faturamento, aí teremos um ganho de escala. É o que esperamos que aconteça”, acrescenta Lacerda, que nesta quinta-feira (14), em participação no fórum, procurará demonstrar que o uso da bicicleta é positivo para os negócios.
“Apresentarei uma ação de mobilização da sociedade civil que busca quebrar a resistência de um discurso no qual a bicicleta é colocada como inimiga do comércio local. É justamente o contrário. Ela contribui e fortalece os estabelecimentos de rua.” Lacerda lembrou que os comerciantes estavam entre os grupos que mais se opuseram à expansão da estrutura cicloviária em São Paulo. “Mas eles são beneficiados por ela. A maioria dos clientes não acessa esses estabelecimentos usando o carro como transporte. Geralmente trabalham ou moram perto, ou estão circulando por ali, a pé. Levantamentos já provam isso.”
Eventos e economia pessoal – O estudo do Labmob/UFRJ também apresentou uma estimativa de movimento de recursos em 203 eventos esportivos promovidos em 2016, que mobilizaram cerca de 37,5 mil participantes a um custo de R$17,1 milhões. Em relação à ciência, foram mapeados, entre 2007 e 2017, 124 projetos de pesquisa sobre a bicicleta, envolvendo 270 pesquisadores e R$ 3,67 bilhões em financiamentos.
Além disso, foi feita uma análise qualitativa e quantitativa, com base nos hábitos de cinco famílias da região metropolitana do Rio de Janeiro. Em uma família de classe A, por exemplo, constatou-se que deixar de usar transporte individual privado de plataformas como Uber ou Cabify e recorrer à bicicleta chega a gerar economia anual superior a R$ 10 mil.
Levantamento semelhante, publicado há algumas semanas pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), mostrou que a substituição do carro pela bicicleta na capital paulista poderia resultar em queda de despesas de R$451 por mês.