Rodas de kevlar, pedais de elastômero, mesas com amortecedor embutido e protetores de câmbio. Conheça alguns dos produtos para MTB que definitivamente não cairam no gosto do público
Assim como em outras modalidades esportivas, o mountain bike é constantemente bombardeado por produtos e conceitos incríveis, boa parte deles realmente úteis e funcionais, outros nem tanto.Conheça alguns dos produtos que tinham tudo para ser um sucesso, mas acabaram não caindo no gosto do público.
Pneus Tioga Psycho K “Doce de Leite”
Durante a popularização do mountain bike nos anos 90, duas grandes empresas praticamente monopolizavam o mercado de pneus para bicicletas: a marca japonesa Panaracer (subsidiária da Panasonic) e a norte-americana Tioga.
Em 1994, a Tioga apresentou ao mercado, em resposta ao lançamento dos modelos Panaracer Dart (dianteiro) e Panaracer Smoke (traseiro), o Psycho K, um novo pneu extremamente leve e versátil, que logo tornou-se uma verdadeira moda entre os praticantes do MTB.
O que era? – Fabricados no Japão pela Mitsuboshi, o Tioga Psyko K foi um dos primeiros modelos a utilizar o kevlar no lugar do arame. Sua versão topo de linha era composta por um tipo especial de borracha, que não utilizava aditivos durante seu processo de vulcanização, o que resultava em um composto leve, macio e com a cor similar a de um ‘doce de leite’, como ficou conhecido aqui em Brasília.
O que tinha de bom? – Com pouco menos de 600 gramas, o Tioga Psycho era muito leve para os padrões da época.
Sua banda de rolagem permitia que fosse utilizado eficazmente tanto na roda dianteira quanto na traseira e sua borracha macia proporcionava uma boa aderência nas curvas e singletracks.
Por que não deu certo – Além de seu visual questionável, o Tioga Psycho K era caro e gastava muito, mas muito rapidamente. Além disso, sua banda de rolagem não proporcionava nenhuma proteção contra furos, deixando muita gente na mão no meio das trilhas.
O advento de outras marcas no mercado, como a WTB e a Ritchey, com pneus mais robustos e de peso apenas um pouco superior acabaram por sepultar o Psycho K ‘Doce de Leite’.
Rodas geodésicas
Mais uma ‘revolucionária’ invenção, desta vez na forma de uma roda traseira que, ao invés de pesados raios de aço, utiliza um único cordão de kevlar unindo o aro ao cubo.
O que era? – Um dos fatores que mais influencia o comportamento de uma bicicleta é o seu peso rotacional. Devido a isto, nada mais natural do que tentar reduzir o peso da bike começando pelas suas rodas.
A roda geodésica da Tioga, a Disk Drive Pro, substituía os tradicionais raios metálicos por um único cordão tensionado de kevlar, que unia um cubo Shimano Deore XT de 32 furos a um aro Mavic, modelo 231.
Para proteger o cordão de kevlar, a roda era coberta com uma espécie de calota plástica.
O que tinha de bom? – Leve e com uma incrível rigidez lateral, as rodas geodésicas proporcionavam também uma micro amortecimento, extremamente útil em uma época onde atletas de XC ainda torciam o nariz para as então pesadas bicicletas full suspension.
Seja por suas qualidades ou por imposição de seus patrocinadores, dois dos maiores campeões de mountain bike de todos os tempos, John Tomac (Raleigh) e Ned Overend (Specialized) utilizaram rodas deste tipo em suas conquistas.
Por que não deu certo – Apesar de sua leveza e eficiência, as rodas geodésicas eram extremamente frágeis. Bastava um único corte no cordão de kevlar para que a roda literalmente se desmanchasse.
Cara, difícil de montar e centralizar, as rodas geodésicas ainda tinham um efeito colateral causado por sua flexibilidade vertical. “Em uma época onde ainda não se utilizavam freios a disco, o ajuste dos cantilevers era crítico neste tipo de roda. Se as sapatas estivessem muito baixas, poderiam atingir o cordão durante a flexão da roda”, disse Ned Overend.
Pedais clipless Onza HO
Em uma época onde pedais de encaixe eram pesados e não raramente deixavam de funcionar adequadamente devido ao acúmulo de lama em seus componentes, designers da Onza resolveram substituir as molas dos pedais clipless comuns por elastômeros.
O que era? – Com seu perfil baixo e opção de eixos em titânio, os pedais de encaixe Onza HO possuíam como apelo a leveza e a simplicidade de manutenção.
O que tinha de bom? – Em uma época onde a obsessão pela leveza da bicicleta e seus componentes era quase uma regra, os pedais de encaixe Onza tinham um apelo irresistível. Fornecidos como equipamento de série de bicicletas topo de linha como as Trek 9500 e as Gari Fisher Procaliber, os pedais Onza rapidamente tornaram-se objetos de desejo dos atletas de XC.
Além de leves, os pedais Onza HO primavam pela simplicidade no ajuste e na manutenção. Cada par de pedais era fornecido com três kits de elastômeros de densidade diferente, oferecendo ao usuário três tipos de pressão de encaixe. Para trocá-los, bastava usar uma chave allen.
Por que não deu certo – Como todo polímero, os elastômeros dos pedais se desgastavam com o tempo e muitas vezes travavam os pés do ciclista. Como este problema é agravado com o contato direto com o sol, potenciais compradores logo perceberam a roubada de adquirir este tipo de ‘solução’ em um esporte outdoor como o mountain bike.
A falta de componentes de reposição como taquinhos e elastômeros, aliadas à dificuldades financeiras e administrativas do fabricante acabaram por soterrar este modelo de pedal.
Não a toa, os pedais Onza HO tem a duvidosa honra de serem considerados como os “piores pedais de encaixe já inventados”.
Transmissão Biopace
A solução que procurava um problema. Esta é a definição do surgimento das coroas ovais Biopace, desenvolvidas pela Shimano na década de 90.
A intenção remover o ponto morto durante o giro do pedivela, que é o momento da pedalada no qual estamos com os pedais no ponto mais alto e mais baixo do giro (12 e 6 hs), onde mecanicamente menos força se consegue imprimir.
O que era? – Transmissões Shimano Biopace utilizavam coroas ovaladas, cuja função seria reduzir o ponto de menor geração de força, possibilitando uma pedalada mais constante, uma vez que o ponto de maior torque chega mais rapidamente.
O que tinha de bom? – Em tese, esse tipo de coroa pode aumentar a eficiência da pedalada. A coroa oval possui diâmetro maior no ponto da pedalada onde o ciclista tem mais força e menor nos pontos mortos superior e inferior. Isso faria com que se passe mais rapidamente pelos pontos mortos superior e inferior e mais lentamente na parte do movimento onde se tem mais força.
O benefício é melhor percebido quando se pedala em baixa cadência em marcha longa. Além disso, permite uma tração mais suave em superfícies escorregadias.
Por que não deu certo – Os ciclistas logo perceberam que o ganho de potência na pedalada tinha um preço: perda de torque.
Embora no moutain bike, a geração de torque seja uma prioridade, na prática, uma maior alavanca de força resulta na redução da cadência.
Além disso, outro fator que pesa contra as coroas ovais é a má qualidade das trocas de marchas. Essa deficiência desgasta mais rapidamente o componente e as quebras são mais freqüentes. No MTB, a constante troca de marchas é um dos motivos que dificultaram a sua adesão.
Barends “chifre de boi”
Conhecidas como bar ends, as barras que ficam na extremidade do guidão de algumas mountain bikes proporcionam uma boa pegada no guidão, tanto sentado quanto em pé.
Com a profusão de ofertas, a escolha dos bar ends não ficou limitada apenas as marcas e materiais de construção, mas também a uma infinidade de formatos e tamanhos, muitas vezes exagerados ao extremo.
O que era? – Quando surgiram, entre as décadas de 80 e 90, os bar ends viraram febre, não apenas entre ciclistas profissionais, mas também amadores. Afinal, a utilização de uma extensão nas extremidades do guidão proporciona um melhor trabalho dos braços durante as subidas, além de um maior conforto.
O que tinha de bom? – Sua utilidade se faz sentir nas subidas e durante os sprints, quando proporcionam uma boa pegada no guidão, tanto sentado quanto em pé.
Os modelos maiores, conhecidos como “chifres de boi” funcionam também como uma opção para segurar o guidão, e assim relaxar suas mãos e braços evitando dores e formigamentos, algo que ocorre com certa frequência em nosso esporte.
Além disso, bar ends mais longos podem ainda proteger as mãos do ciclista contra galhos e espinhos nas trilhas ou mesmo durante quedas.
Por que não deu certo – Na prática, bar ends chifres de boi adoram enroscar-se em galhos e arbustos e cedo se percebeu que, o que era para funcionar como uma proteção extra na prática era um grande causador de tombos e acidentes.
Além de serem pesados e feios, logo os bar ends de tamanho exagerado deram lugar aos guidões do tipo rized (elevados) que, em conjunto com um bom bike fit acabou por resolver os problemas posturais.
Mesas com suspensão
Praticante de mountain biking mais novos poderão não acreditar, mas houve um tempo em que as pessoas questionavam os reais benefícios dos garfos de suspensão.
Pesados e com pouco curso de amortecimento, garfos de suspensão eram por muitas vezes desprezados inclusive por atletas de ponta, que preferiam encarar as trilhas com garfos rígidos.
O que era? – Em 1987, Bob Girvin, um dos maiores designers da indústria ciclística de todos os tempos, deu uma bola fora ao criar uma possível solução para aqueles que não queriam abrir mão do conforto sem aumentar consideravelmente o peso de suas bicicletas.
A mesa Girvin FlexStem utilizava uma mesa conectada à espiga do garfo por um elastômetro, o que proporcionava um certo conforto ao usuário.
O que tinha de bom? – O baixo peso e preço da mesa Girvin, se comparado ao de suspensões da época, era seu principal atrativo. O surgimento de marcas concorrentes como a Ritchey e a SoftRide aumentaram a oferta deste componente no mercado.
Por que não deu certo – Assim como no caso dos pedais Onza, os elastômeros da mesa Girvin FlexStem cediam com o tempo, resultando em folgas na mesa. Mesmo quando funcionava corretamente, as mesas com suspensão integrada alteram bruscamente a geometria da bicicleta, podendo causar tombos perigosos.
Protetor de câmbio traseiro
Uma preocupação frequente dos praticantes de mountain biking é a conservação do câmbio traseiro da bike. Uma pequena pancada pode ser suficiente para empenar o suporte onde ele é montado, resultando em problemas na troca de marchas ou mesmo a quebra do componente.
O que era? – Construídos em aço ou liga de alumínio, os protetores de câmbio eram uma espécie de gaiola, fixada através da blocagem da roda e que teoricamente protegia o câmbio contra choques e quedas.
O que tinha de bom? – Em uma era onde as gancheiras removíveis ainda eram pouco utilizadas, a ideia de se proteger o câmbio parecia uma solução extremamente econômica: por pouco mais de 20 reais, seria possível proteger eficazmente o câmbio traseiro de centenas de reais de sua bike.
Por que não deu certo – Na prática, a pretensa solução causava mais transtornos que benefícios. Logo os ciclistas perceberam que uma pancada forte no protetor de câmbio poderia causar um mal ainda maior: danificar o próprio quadro da bicicleta.
Com a popularização das gancheiras substituíveis, que funcionam como um fusível, quebrando-se para manter a integridade do câmbio e do quadro, este acessório caiu em desuso.
Trek 9500
Lançada em 1992, a Trek 9500 deixou a todos de queixo caído com suas características de bicicleta topo de linha. Montada a partir de um quadro full suspension em liga de alumínio produzida pela Easton, contava com componentes de ponta e amortecedores de elastômero A.B. Zorb (traseiro) e Trek DDS3 (dianteiro).
O que era? – Equipada com grupo Shiman o XTR e componentes selecionados, a 9500 foi a primeira bike de XC full suspension produzida em escala comercial pela Trek.
O que tinha de bom? – Além de seu apelo visual, a bicicleta topo de linha da Trek continha algumas novidades interessantes para a época, como movimento central selado, câmbio de 3 x 8 velocidades e um conforto sem precedentes.
Por que não deu certo – Tecnicamente falando, o amortecimento é o fenômeno pelo qual a energia mecânica de um sistema é dissipada e reduzida. Isto não acontecia em absoluto nos amortecedores da 9500. Devido ao fato que a mola utilizada pelo amortecedor A.B. Zorb era composta por elastômeros, não havia controle de retorno, o que fazia com que a bike da Trek se comportasse como um cabrito enfurecido quando descia uma sessão mais técnica da trilha.
Hite-Rite
Todos aqueles que praticam trilhas mais cedo ou mais tarde são obrigados a baixar o canote do selim em uma descida mais íngreme. Porém, a operação de descer da bicicleta, abrir a blocagem e baixar o selim, só para depois realizar a operação inversa no final da subida pode significar a perda de preciosos segundos em uma competição.
Mas e se o canote contasse com um acessório que se ‘lembrasse’ da altura correta do mesmo?
O que era? – Antes do surgimento dos modernos canotes telescópicos acionados por controle remoto, um acessório prometia facilitar a vida dos ciclistas. Tratava-se do Hite-Rite, uma mola do tipo tesoura, que ficava presa entre a blocagem e o canote. Para baixar o selim, bastava abrir a blocagem e forçar o selim para baixo até a altura desejada e travar a blocagem. No final da descida, bastava abrir a blocagem novamente para, em tese, o canote retornar automaticamente para sua posição original.
O que tinha de bom? – Barato e fácil de instalar, o Hite-Rite, pelo menos na teoria, subiria o canote até a altura original sem a necessidade de medições ou perda de tempo.
Por que não deu certo – Trata-se de uma das invenções mais estúpidas da história do ciclismo! Na maioria das vezes, a mola não tinha força suficiente para levantar o canote do selim, principalmente se ele estiver muito rente ao interior do tubo do quadro. Além disso, a mola poderia dilatar-se ou contrair-se, desregulando em relação a altura programada.
Com o surgimento dos modernos canotes telescópicos, o Hite-Ride, que nunca tornou-se um sucesso de público, morreu e nunca mais ressuscitou…